PARA SE PENSAR NO ANO NOVO
Um novo ano chega, e tantos pensamentos, planos, surpresas, parece que ficamos com a boca aberta, meio incrédulos, nao acreditando que um ano ja se foi... Voa... e quando nos damos conta, ficaram tantos projetos para tras, tantas coisas que planejamos e acabamos nao fazendo.
Hoje, mais uma vez, eu quero falar dos velhos. Quando comecei esse projeto, meu marido me disse: "Mary, por que voce nao faz um trabalho comunitário com crianças? Eu a conheço, voce vai se envolver demais e se deprimir". Mas pensei que não, que gostaria mesmo de trabalhar com velhos. Criança e uma renovacão. Eles por si só se fazem felizes, pela própria natureza de ser. Eles ainda tem um mundo pela frente. Tem o "acreditar". Nao precisam viver de lembranças, mas vivem de projetos.
Os velhos ali estão, parece que estancados no leito da vida. Tem limitacoes no andar, no falar, no se mover. Alguns lutando com sequelas de derrame, outros, sem poder andar, alguns fora do mundo...
Quando entro naquele lugar e engraçado o que imediatamente sinto! Uma energia, uma forca, uma vontade de estender minha mao, de tocar pessoas. Mas o mais engraçado e que tudo isso parece que vem em dobro para mim de felicidade. Como explicar? Parece que estou fazendo algo para mim, e nao para os outros. E uma satisfacão plena.
Quando entrei hoje, fui visitar aquela senhora que contei no outro post, que o marido morreu de derrame. Quando ela me ve, ela já sorri. Ela disse hoje para mim que não quer dormir durante o dia, pois perde o sono a noite. Disse que estava com o corpo doendo. Sentei na cama, e fiquei a conversar. Ela falou das suas dores fisicas. Das suas limitacoes. Contou novamente como encontrou seu marido. Reviveu tudo... depois disse: "Nossa, acho que eu ja lhe contei!". Eu disse: "Contou sim, mas alguns pedacos eu nao conhecia". Entao ela continuou contando. Percebi como era importante para ela contar. Falar. Relembrar. Parece assim um balsamo para uma ferida. A lembranca. A certeza de que ela teve alguem que ela amou. Hoje ela me disse que o marido era um otimo cozinheiro. E que era muito bom para consertar coisas na casa, tinha uma "mão boa" (como dizem no Brasil).
Apontou uma foto que ela tem ao lado da cama e disse: "Eu gosto dessa foto porque ela e a ultima que tiramos juntos.
Falou que ela se sentia as vezes deprimida em pensar nele. E eu ensinei ela a mentalizar coisas boas, a pensar em tudo de bom que tem, de pensar nele com alegria (como e dificil falar uma coisa assim...).
Sai e ela estava melhor. Segurou minha mao. Nao sei porque a mão dela me lembrou a mao da minha avó. Branquinha, macia, com as unhas pintadas de cor-de-rosa.
Eu disse: "Sua mão está bonita!" Ela disse: "Minha filha veio aqui e fez minhas unhas".
Prometi a ela que voltaria na segunda-feira para ve-la.
Passei pelo quarto da Laura. A velhinha que apronta cada uma (risos!). Ela é uma gracinha.
Hoje ela me chamou, e disse: "Nossa! que bom que voce veio!". Depois eu disse para ela se poderia tirar uma foto. Ela disse: "Sim, mas antes quero falar uma coisa para você, e você vai repetir comigo". Falou com o dedo no meu nariz. Concordei. Risos.
Ela levantou um dedo e disse:
I AM HEALTHY (eu sou saudável)
I AM HAPPY (eu sou feliz)
I AM ON MY WAY TO HEAVEN (eu estou a caminho do Paraiso).
Repeti. Ela riu alto e disse: "Ela aprendeeeeeu!". E ria como uma criança.
Tirei a foto. E ela sorriu.
Passei pelo quarto do Norman Wise. Ele e aquele que foi Sargento na 2a. Guerra. Faz questao que eu passe no quarto dele, para conversar. Entusiasma-se a falar dos batalhoes, dos tiros... (e eu que nao gosto de filme de tiro, fico escutando...risos). E mostra as medalhas. E fala das armas. E da bandeira. Falei para ele que eu me emocionava muito com o Hino Americano.
Vejam a condecoracao na parede. Ele é um Livro de Histórias.
Sai do quarto do Norman e passei no quarto da Isabelle. Essa é bem mais lucida. Talvez por isso ela sofra mais por estar lá. Sinto que ela tem uma lucidez muito grande, e conversa sobre tudo. Hoje ela me disse que nao estava bem. E eu disse: "O que voce tem?" Ela respondeu: "Nao é nada fisico e sim psicologico mesmo". Noto que ela é bem diferente dos outros velhos.
Já era hora de ajudar no jantar. Como gosto de fazer isso!
Vou de mesa em mesa colocando o chá gelado, água, ou limonada. Café. Conversando com eles.
A Laura (a velhinha de chapéuzinho vermelho) ja estava sentada lá. E me abanou a mao!
Já decorei o nome das pessoas.
De repente vem o Warren. Esse e um velhinho que vem andando com muita dificuldade. Entao para, e fica olhando para a gente. E eu digo: "Quer sentar Warren?" Ele murmura: "Acho que quero"... risos.. Seguro-o pelo braco, e levo-o para a mesa. Ele se senta, e fica a olhar para baixo.
Hoje cortei toda comida para ele em pedacinhos. Ele come com a mao. Nao consegue comer com o garfo. Depois eu o vi colocando manteiga dentro do suco. E ria. Como uma crianca.
Passei pela mesa do cego. Essa é a minha preferida. Como gosto daquele homem! Gostaria de um dia gravar algo em Braille que pudesse dar para ele ler, o que penso dele! (hoje estava pensando na volta, vou descobrir como fazer isso). Ou vou fazer um poema para ele.
Hoje fui colocar a comida dele, e disse: "Bill, hoje tem macarrao, espinafre... e...." (nao consegui distinguir que tipo de carne era, estava empanada). Eu disse: "A carne nao sei, vou perguntar". Ele disse: "Nao, nao precisa. E comivel, nao e? Ta bom...nao precisa nao!".
Tem sempre um sorriso no rosto. Como se a vida para ele fosse a coisa mais linda do
mundo. Come com prazer. Como se para ele nao fosse importante enxergar. Mas sentir.
O engracado foi que no final do jantar houve um problema eletrico e apagou a luz. E alguem disse: "Esta escuro aqui".
Ele sorriu. Vi atraves da sombra da sala que ele sorria. Por um instante tentei ler seu pensamento. Escuro... aquele homem vive no escuro. E age como se estivesse em plena luz... Como se estivesse dizendo: "nao esta escuro. Vejam...a vida é
iluminada".
Corri tanto. Para lá e para cá . Agua, cafe, cha, sobremesa... leite, suco, canudinho, mais um garfo. "Corta para mim?" "Abre esse saquinho para mim por favor?" "Poderia trazer mais gelo?" "Nao tem mais manteiga?" "Voce tem outro pao?"
Acabou o cream para o cafe.
Ai a minha velhinha de chapéuzinho vermelho disse: "Voce pode me trazer a sobremesa?" Eu disse: "Laura voce tem que comer a comida primeiro". Ela ficou muito séria e disse: "Eu quero minha sobremesa senao vou jogar tudo no chao!" Risos
(Lembrou minha filha quando pequena...).
O que sao os velhos mais do que criancas grandes? Tao inseguros em seus passos e seus atos... Tao sensiveis.
Qualquer palavra para eles, e uma GRANDE PALAVRA... Qualquer gesto, UM GRANDE GESTO.
Queria pedir uma coisa a voces. Aqueles que pensam em fazer algo no ano de 2008 por alguem, facam por um velho.
Fala-se tanto em criancas...no entanto quantos velhos nos Asilos estao abandonados, esperando somente a morte, enquanto podemos dar a eles um pouco de vida?
Conversem com eles. Perguntem de sua vida.
Sempre há alguem a perguntar para uma crianca: "Qual o seu nome?"
Entao pergunte para um velho: "Como vai voce?" mas depois de perguntar , nao passe sem ao menos escutar a resposta. Pare e sente para escutar o que ele tem a dizer. Com certeza, a sua resposta nao sera resumida em uma so sentenca. Ele vai falar muito o que tem em seu coraçao.
E voce vai ficar surpreso de quantas coisas vai descobrir naquela conversa. E vai sentir um sentimento de alegria interior, que vai surpreende-lo muito!
ERA POUCO
Era pouco
muito pouco o que aquele velho queria
em seus olhos pedintes
refletia o desejo de um entendimento
sem palavras
e sua boca tremula
talvez nao conseguisse murmurar
palavras com algum significado
mas pedia com seu silencio
um olhar de entendimento
Era pouco
muito pouco o que seu corpo fragil
podia lhe dar
passos inseguros com medo da estrada
inseguranca de vida
pedia com seu silencio
que a mao fosse estendida
o coracao pudesse entender
a mensagem muda
de seus labios cerrados
Eram poucas
suas lembrancas colecionadas
em cima de um criado-mudo
um porta-retratos com foto dos filhos
quando eram pequeninos
um velho radinho de pilha
um copo d’agua, uma pilula
uma saudade guardada
numa velha carteira de couro
no bolso de sua calca
Seu olhar de paisagem
fitava um canto qualquer
prescrutando uma saudade
em sua memoria vivida
recordava-se de enderecos
ruas, de calcadas antigas
e como uma crianca inocente
perdia-se nas lembrancas
Confundindo-se entre o passado
e o presente
Era pouco
o que pude dar a aquele homem
diante da riqueza de sua vida
ele havia passado por tantos pedacos
colecionado tantas dores
cada ruga de sua face
contava uma historia em silencio vivida
e fiquei ali a olhar aquele velho
a fitar sua figura fragil e delicada
plantada no fim da estrada da vida...
FELIZ ANO NOVO A TODOS VOCES!
®Mary Fioratti
Peço que me perdoem a falta de acentuacao! As vezes nao tenho paciencia para acentuar tudo, já que meu teclado nao tem acentos,e preciso recorrer a um "copiar" e "colar"...
Essa poesia eu fiz pensando no meu pai.