29 janeiro 2008



Minha Querida Vovó Aracy


Lembro-me bem de seu rosto. Uma pele alva, aquele sorriso tão meigo.
Minha avó era bem alta, mas era frágil e feminina. Lembro dela velhinha com sua cabecinha branca, e uma coisa
que se fechar os olhos eu sinto, é a maciez de sua mão. Mãos compridas, finas, com pele de criança.
Sempre eu pintava suas unhas com um esmalte chamado “Rosa-Rei”. Sentava, ajoelhada, tomando suas mãos entre as minhas e ela ficava conversando e contando histórias.
Ela era altiva, embora tivesse uma meiguice não só em seu olhar, como em seu rosto.

Ela me dava conselhos de “não andar atrás dos rapazes”, de “ser bem difícil, porque era assim que eles gostavam”.

Olhava para mim dizendo que quando ela assistia aquele seriado da “Freirinha Voadora” sempre lembrava
de mim (dizia que eu era a cara da Sally Field).


O que eu gostava na vovó é que ela estava contando um caso e de repente comecava a rir que não parava mais,
e tinha uma risada gostosa mas bem baixinha.

Era muito alta, mas movia-se com a graça e feminilidade. Era delicada nos gestos.
Sempre muito cheirosa, adorava talcos, perfumes. Lembro que quando a visitava em Marília, eu entrava em seu quarto e ela dizia: “Abre aquela gaveta ali da minha cômoda, que eu comprei uns perfumes para você”.
Mesmo depois de casada, eu tirava uma semana de férias para visita-la em Marília. Passava o tempo todo com ela na cama (ela tinha depressão, e ficava sempre deitada) e ficavamos conversando. Eu a fazia rir muito.
Ficava perguntando muitas coisas do passado, e ela sempre me comparava com uma amiga que ela teve em Caçapava , que fazia mil perguntas, que tinha o apelido de “Doca”. Toda vez que eu deitava com ela, ela ria e dizia: “Deita aí, Doca”. E ria muito. Quando ela ria, praticamente movia o corpo, mas a sua risada era delicada e baixinha.

Eu ficava alisando seus cabelos branquinhos, segurando na sua mão. Adorava beijar seu rostinho tão macio e cheiroso.




Quando meu avô morreu em 1979, em 1980 fui passar uma semana com ela. Ela dormia no quarto com uma enfermeira.
E esta vez que eu fui, como meu avô já havia morrido, dormi com ela na cama de casal. A noite ouvia ela falando baixinho.
E eu perguntava: “Vó, com quem você está falando?” e ela dizia: “Com o Juquita, ele está perguntando se eu tomei meu remédio”.

Eu morria de medo, pois sempre tive medo desta parte de “espíritos” (risos).
Então eu ouvi um barulho na janela, como se alguém estivesse trancando, e ela disse: “Não se preocupe filha, é seu avô que está checando se tudo está fechado”.
(E era mesmo o que ele fazia todas as noites...).
"O que vó, meu avôôôô? Ele morreu, Vó” E eu ficava apavorada embaixo das cobertas.

Os dois tinham uma ligação muito grande, tendo vivido juntos por 57 anos.
Misturando aqui um pouco minha avó com meu avô…. Ela tinha depressão, e meu avô, de manhã, sentava com ela no sofá, de mãos dadas, e lia o jornal “Diário Popular” (o jornal do Sangue). Então ele começava: “Matou a mãe com duas facadas!”. E ela: “Ah Juquita, não me lê essas coisas!” E ele: “É para distrair você meu Anjinho”.
Que distração, heim?

Anjinho para lá e para cá…. E assim iam os dois …

Uma coisa que sempre me comovia… Meu avô tomava Nescafé todos os dias depois do almoço. Era comum ele dizer: “Agora quero meu nesquinha”. ( a Nestlé vai ter que me pagar por essa propaganda!).
Então estávamos todos na mesa conversando, e meu avô fazia o “nesquinha” dele. Aí minha avó o seguia com o olhar e dizia baixinho para a gente: “Quer ver, ele sempre deixa o finzinho para mim!”. Lembro da minha angústia olhando meu avô com aquele medão dele esquecer dela. Mas era tão engraçado, ele tomava e automaticamente, mesmo conversando, parava no finzinho e dava a xícara para ela.

E ela olhava para a gente com aquele olhar orgulhoso dizendo: “Viu, não falei?” E eu respirava aliviada, porque ele dar a ela o finzinho do nesquinha era uma verdadeira prova de amor para a minha avó!
Havia pedido a minha irmã que escrevesse as lembranças que tinha da vovó, e engraçado que muitas bateram com as que escrevi em cima:

1) Eles se conheceram quando ela fazia Escola Normal, e ela sempre teve muito orgulho em dizer que ele deu muito em cima dela!
2) Teve seis filhos, por isso largou sua profissão, e uma coisa importante que minha irmã lembrou foi que ela alfabetizou todos nós.
3) Sempre protegia as filhas, porque o vovô era muito bravo, (isso me lembrou quando meu pai foi pedir minha mãe em casamento. Entrou na casa do meu avô, e ele de pijamas assistindo jogo, não deixou meu pai abrir a boca, e ele saiu sem conseguir falar nada – risos).
4) Minha irmã tem também a mesma lembrança que eu tenho, aquelas mãos macias e fininhas da vovó…
5) Ela lembrou de uma coisa que eu adorava: quando nós deitávamos na cama de casal em volta dela, ouvindo histórias, como se estivéssemos redescobrindo nossa identidade.
6) Minha irmã define seu porte como aristocrático (e era mesmo!).
7) Tinha olhos grandes e expressivos e um olhar sonhador de quem pairava meio acima das coisas.
8) Minha irmã também se lembra do perfume natural dela… e dos talquinhos que davam a ela aquele cheirinho especial.
Tanto eu como minha irmã pensamos que a vovó foi um símbolo de “mãezona, desistindo de sua profissão, para tomar conta de seus filhos, sempre ouvindo, entendendo e estando presente na vida dos filhos.
Muitas vezes em meio à dor, ela também ria e se esquecia um pouco de tudo, para lembrar-se de histórias engraçadas, com humor inteligente que muitas vezes nos fazia refletir.
E uma coisa que minha irmã disse e eu sempre senti…” deitar-se um pouco na sua grande cama de casal fazia muitas vezes a gente se sentir repousado e tranquilo sem medo do mundo…”

Uma lembrança que tenho da minha avó: tínhamos um cachorrinho quando morávamos em S. José chamado “Toquinho”. Um dia, eu tinha uns 13 anos, estava sentada no degrau da porta da cozinha com ele no colo, e ela me ouviu dizendo para ele: “Toquinho, voce não é cachorro, você é gente!” Ela se encantou com aquela frase.
Sempre me dizia assim: “Filha, repete aquilo que você disse do Toquinho”. E eu tinha que repetir a toda hora. E ela contava para todo mundo.

Tinha uma música que eu cantava, que me lembro um pedacinho… que ela pedia para eu cantar para ela quando ela estava deitada. . Chamava-se ÍNDIA” e vou transcrevê-la aqui:

ÍNDIA

Índia seus cabelos nos ombros caídos
Negros como a noite que não tem luar
Seus lábios de rosa para mim sorrindo
E a doce meiguice desse seu olhar
Índia da pele morena
Sua boca pequena eu quero beijar
Índia sangue tupy, tens o cheiro da flor
Vem que eu quero lhe dar, todo o meu grande amor
Quando eu for embora para bem distante
E chegar a hora de dizer adeus
Fica nos meus braços só mais um instante
Deixa os meus lábios se unirem aos teus
Índia levarei saudade da felicidade que você me deu
Índia a sua imagem sempre comigo vai
Dentro do meu coração
Flor do meu Paraguai



Lembro que quando eu cantava, ela ficava olhando para o teto com um olhar sonhador… e aí dizia de novo
baixinho: “Canta de novo, Inês?” (ela me chamava assim).
O que será que essa música a fazia lembrar ou sonhar?
Ah vozinha querida, você foi o protótipo da avó: doce, meiga, cheirosa, gostosa, como minha irmã bem lembrou, sentada naquela cadeira de balanço, naquele vai-e-vem, sempre com aquele sorriso terno e aqueles braços
sempre abertos para nós.
Que Deus a proteja sempre vozinha querida, e saiba que tenho lindas lembranças suas e a amo muito.


Mary Fioratti

21 janeiro 2008




Quando chegamos em Detroit em Outubro de 1990, tivemos o primeiro feriado, que foi o de Thanksgiving (Ação de Graças) no final de Novembro. Fomos então convidados para um jantar na casa de um Diretor da Valenite (onde o Roque trabalhava). Lembro que estava bastante frio, a Patti tinha um aninho e estávamos somente há um mês nos Estados Unidos.

O Diretor chamava-se John Henson, e morava em uma casa tipo rancho, que ficava um pouco longe da cidade.Uma das coisas meio chatas na adaptação a um outro país, é como se vestir nessas ocasiões. Eles têm uma linguagem própria deles, como "casual", mas esse "casual" pode às vezes ser mais sofisticado. Não me preocupei com roupa e me fantasiei de Mary. Lembro que vesti jeans, uma camisa, um casaquinho e mocassins. Lembro que estava frio, e nevava um pouco.

Lá chegamos e olhei as janelas por dentro todas iluminadas, com aquele "ar" de festa.Fomos muito bem recebidos pelo John, e tiramos os sapatos o que é o costume aqui, principalmente em tempo de inverno. Entramos naquela sala muito acolhedora, a lareira acesa, uma mesa cheia de salgadinhos, almofadas para todos os lados, e eu já fui sentando no carpete (risos). É assim que me sinto bem, quando consigo ser eu mesma. Assim como em casa, estamos sempre sentados no chão.

Havia também um Diretor de Recursos Humanos da Alemanha, simpaticíssimo! Quando encontramos pessoas assim, não importa nem a comunicação falada. Digo isso porque eu era iniciante tanto na cultura, como no falar. Mas era algo mesmo de alma. A conversação fluía tão fácil, e era como se os corações estivessem falando.

Havia uma parte mais elevada da sala, onde havia uma lareira. Em uma cadeira de balanço na frente da lareira, estava sentado o pai do John (dono da casa), com um copo na mão. Ele balançava naquela cadeira, olhando de longe a nossa reunião, com um olhar meio perdido, aquele tipo de olhar que os velhos têm, que parecem estar imersos em seu próprio mundo.

Começamos a tomar vinho, comer queijinhos diversos, pãezinhos, e a uma certa altura, como eu sempre faço nos lugares que vou, desliguei-me do tempo e me detive na beleza do cenário. Olhei aquele velho sentado em frente da lareira, olhei para a janela e vi a neve lá fora, (e tanto calor ali dentro...calor da lareira, calor humano), a música suave tocando no fundo... e de repente me senti fazendo parte de um filme americano. Não sei se algumas vezes vocês já se sentiram assim. Como se não fosse "vida real", como se eu estivesse apenas participando de um momento. Desliguei-me do cenário e parecia apenas uma expectadora.

Depois de conversarmos bastante, fomos levados para uma sala de jantar muito bonita, onde foi servido lasanha, peru, uma bela salada, com pão de alho. Foi um jantar nada convencional para um Thanksgiving, que normalmente é servido peru, batata doce assada, milho, purê de batatas com gravy (que é o molhinho que eles colocam em cima do peru).

Todos conversavam ao mesmo tempo, rindo alto, passando o pão e o vinho. A simpatia dos donos da casa era invejável. Lembro que a esposa do John, muito agradável, tinha uma risada que me lembrava o barulho de copos de cristal, é apenas uma analogia que às vezes fazemos. Essas coisas que a gente ouve e relaciona com algo sem saber o porquê. Depois do jantar, fomos para a sala onde foi servida uma torta de sobremesa, com sorvete e uvas.

Olhei para a sala, a lareira, e ainda balançando na cadeira, o velho segurava o seu copo, ouvindo aquela música que ecoava no ambiente, e olhando de longe, ele fazia parte daquele momento como algo histórico. Algo que eu senti que jamais esqueceria. Lembrava-me velhos filmes que eu havia assistido antes.

A Patti brincava no carpete, e a esposa do John trouxe um bichinho de pelúcia (um leãozinho) que era do filho dela quando era pequeno (e que por coincidência o filho tinha sido também adotado). Até hoje guardo aquele leãozinho, e toda vez que olho para ele, me vem essas lembranças. Nunca mais esquecerei este jantar. Foi um marco na nossa chegada nos Estados Unidos. Aquela sensação de aconchego, de carinho.

Não sei se eles ainda moram na mesma casa, mas muitas vezes penso em procurá-los, ou saber o endereço para escrever uma cartinha dizendo como foi importante para nós aquele dia. Com certeza nunca passou pela cabeça deles o impacto tão positivo que teve esse jantar em nossa chegada nos Estados Unidos.

Mary Fioratti

17 janeiro 2008







A SUA AUSENCIA


A sua ausência fica
como um copo de vinho vazio
sobre a mesa
como um pedaço de pão seco
difícil de ser engolido
parado na garganta
E desenha-se vagarosa
na chuva hoje que cai

Intermitente

´´´´´´´´´´
´´´´´´´´´´
´´´´´´´´´´

Nesse silêncio que entre nos
se agiganta
que incomoda
na falta do querer
do tentar
no engasgo do sentir
na mão que se estende
e fica no ar...
a chuva continua
a cair





A sua ausência
É um ritmo mudo sem canção
um suspirar calado
um soluço do coração








®Mary Fioratti

14 janeiro 2008



Toda vez que voce tiver duvida se esta agindo certo, focalize seu coração. Mesmo com a pitada de razão, tantas vezes necessária, o coração é a bussola mais certa para guiá-lo em todas suas decisoes.
Amor, alem de natural e espontaneo, é tambem um aprendizado. Um treinamento. A parte mais dificil nao é amar nossos amigos. Mas aceitar as pessoas que nao gostamos e tentar entende-las. Este é o maior desafio.
Tudo nessa vida passa. Mas o amor deve sempre ser cultivado. Ele é a mola do mundo. Quando colocamos amor em tudo que fazemos, a vida se torna tao simples é tao mais fácil.
E nessa jornada os amigos que nos acompanham tornam-se ferramentas imprescindiveis para que se abrandem nossos sofrimentos.



AMOR...PRESENTE CONTINUO


a vida é feita de momentos
de felicidades passageiras
e se tudo juntarmos
teremos fragmentos valiosos
e lembranças inesqueciveis
notamos que quase tudo nessa vida
é reciclável
certos momentos
alguns acontecimentos
a raiva
a frustração
o hoje, já quase faz parte
do amanhã
o ontem, já é um passado
muito longínquo
o amanha não chegou
mas quando chegar
já será o hoje
e em 24 horas
ele ficará na lembrança
assim é a vida
tudo se recicla
tudo passa
mas ha algo valioso
que não ha tempo que o recicle
são as amizades
os sentimentos verdadeiros
de ternura
são os gestos espontaneos
vindos do coracão
é o amor na sua inteira
plenitude
o amor não é passado
não é futuro
a vida passa
e com ela a importancia
de certos momentos
mas o amor ...
ele será sempre conjugado
em "presente continuo"

(eterno sentimento)




®Mary Fioratti

08 janeiro 2008






SEUS OLHARES




Quero hoje
com firma reconhecida
carimbo azul
assinatura com caneta tinteiro
o certificado
de que de hoje em diante
terei todos os seus olhares
somente para mim
posso dar-lhe a liberdade
de andar em todas as estradas
e ver todas as paisagens
de pisar no chão
de correr dentro pelas montanhas
de rir solto
olhar para o céu, beber água da chuva
mas os seus olhares
aqueles de desejo, de ternura
que marcam a minha pele
com suas iniciais
quero-os todos para mim
assine agora
o passaporte da sua liberdade
mas liberdade...condicional
porque olhares apaixonados
deitados na musica
gravados em lençóis de cetim
esses seus olhares
eu os quero todos
só para mim

®Mary Fioratti