26 fevereiro 2025

A PONTE VIVA DO SENTIMENTO







Sentada olhando pela janela, eis o festival das cores do outono. Maravilhosos pores do sol. E assim os dias desfilam, enchendo meus olhos e minha alma. Uma certa tristeza pela despedida do verde e pelas folhas mortas, mas a certeza de que elas vão renascer em alguns meses me deixa um sentimento gostoso de espera.

Estou me preparando para minha viagem ao Brasil daqui a duas semanas. Vamos à formatura da minha filha, que terminou seu curso de MBA. Lógico que estamos muito felizes, principalmente porque ela decidiu morar no Brasil. Por quê? Ficou encantada com o povo, com a naturalidade, com as coisas simples, e se sentiu plenamente feliz. Isso não é tudo o que queremos? Ver nossos filhos felizes?

Antes, eu ia ao Brasil sem pensar, arrumava a mala e nem cogitava em tudo o que penso hoje: dirigir até o aeroporto, fazer o check-in,  passar pela segurança, tirar os sapatos, depois ainda passar na  inspeção na máquina que detecta metais. E, todas as vezes, ela apita para mim devido ao meu joelho bionico. Tenho, então, que ser revistada! Depois disso, algumas vezes, pegar o trenzinho que nos leva ao portão de embarque. Ficar atenta olhando os voos nos computadores espalhados por todo lugar para ter certeza de que no ultimo minuto, não mudam de portão! (isso ja me aconteceu).  

Como não existe voo direto para o Brasil de Cincinnati, vamos  enfrentar o voo  inicial de 1 hora e meia para Chicago, e, depois, 10 horas de voo para São Paulo. Antigamente para mim isso tudo era uma aventura! Por que o tempo transforma tanto as coisas? O que antes parecia simples hoje exige planejamento, esforço e paciência. Mas em compensação será que com isso não aprendo a valorizar  mais o caminho?

Com os preparativos para a viagem, surgem alguns sentimentos que somente quem mora em outro país entende - que são as lembranças. Aquela sensação de aconchego, os aromas, a comida, a música, as mesmas ruas;  tudo relembra momentos da infância ou juventude.

Falar o português cria um sentimento de “voltar para casa”. Cada lingua tem uma musica diferente, entao, as vezes, a entonação ao falar o Português torna-se visível a familia - puxar um "r" diferente, ou tentar adequar uma palavra - um "Portenglish".  Mas o gostoso mesmo é a conversa espontanea com pessoas desconhecidas no ponto de onibus, o barulho das ruas, a alegria do povo que  reforça aquela sensação de identidade.

Além da leveza,  há uma mágica em perceber que uma língua carrega não apenas palavras, mas sentimentos. Falar Português é como abrir um baú de memórias que vivem escondidas em algum canto desse coracão repartido. Um questionamento interior sobre "pertencimento". De vez em quando, sem querer, ao tentar passar por uma fila sai um "excuse me" em vez de "dá licença".

Não sei se sou mais brasileira ou americana. Aqui sinto falta de lá - e lá carrego o aqui. Acho que meu coração, ao invés de escolher, criou raízes em ambos lugares. Talvez esse "pertencimento" que tanto procuro não esteja em um só território, mas dos dois lados dessa ponte viva que construí e que conecta minhas duas metades. 




 






NOTAS QUE O SILÊNCIO GUARDA

 


Nunca prestei atenção na forma como uma trilha sonora pode ser importante. Outro dia, assistindo a um filme, não conseguia me concentrar por causa do “barulho” dessa trilha. Estava completamente descombinada com o filme. Sabe quando você está assistindo e, de repente, vem uma parte sombria com uma música quase fúnebre? Ou quando a cena é alegre, e a trilha sonora acompanha o sentimento? Mas, naquele filme, a música era sempre incrivelmente alta, mais alta que os diálogos e totalmente descombinada das situações. Era como se o excesso de som roubasse a história. 

Depois disso,  fazendo uma analogia fiquei a pensar no filme da nossa vida. Muitas vezes, queremos paz, mas estamos cercados de barulhos ou relações desgastantes, quando os momentos marcantes da nossa jornada trazem sua própria música - e que quase nao podemos escutar. 

E o silêncio não é  uma pausa preciosa? Todo ser humano precisa dele para assimilar as notas da vida, para organizar a melodia que o coração insiste em tocar. Mas, quando a trilha sonora é alta demais, os diálogos ficam inaudíveis. É assim também na vida: as distrações das redes sociais, o barulho da mídia, nosso celular, esse  ritmo frenético dos dias de hoje que podem abafar nossa voz interior e nos desconectar de quem realmente somos.

Na melodia da vida, são as pequeninas coisas que guiam nossas emoções: o riso de alguém querido, um café quentinho, um abraço inesperado,um pão quentinho saindo do forno  a espontaneidade de uma criança, a boa notícia de um amigo querido, a realização de um filho, um exame médico superado, uma esperança renovada. Tudo tem sua música certa.

Com certeza, cada escolha que fazemos, cada silêncio que respeitamos, cada barulho que acolhemos vai, aos poucos, compondo essa música de nossa alma.

Foi por isso que, no começo do ano, decidi ajustar minha “trilha sonora”, e escolher bem os sons que quero ao meu redor. Quero que a  música da minha vida não seja imposta pelo ruído do mundo, mas regida pela harmonia do que realmente importa. Porque, no fim, somos apenas a canção que deixamos no ar - um eco sutil, vagando nas notas tempo, dançando entre memórias e  persistindo mesmo depois do silêncio.