20 agosto 2008



COLEÇÃO DE PENSAMENTOS




Fui morar em Ubatuba quando tinha 5 anos. Era uma cidade, naquele tempo, não muito explorada por turistas.
Ali crescemos de uma forma tão natural, pés no chão, idas a praia antes de escola, brincar de bambolê na praia, passear a noite pela calcada da Praia do Cruzeiro, onde nunca vi na minha vida, tantas estrelas.



Muitas vezes olhávamos para cima, e parecia que não havia um só espacinho para mais uma estrela.
Íamos minha mãe, meu pai, meu irmão e minha irmã, todos na calçada, olhando para o céu. Como sempre Ubatuba tinha problema com a eletricidade, íamos muitas vezes sem luz, apenas com a luz da lanterna do meu pai nos guiando. Alias, ele deu para cada um de nós uma lanterna (me lembro bem, a minha era vermelhinha).

Hoje sai para andar de bicicleta, o que simplesmente adoro, e me sinto de volta ao tempo de criança, quando eu andava na rua voando pelas ladeiras, meus cabelos ao vento, largando as mãos do guidão, ou abrindo as pernas como se fosse voar... que sensação de liberdade!
Parei então num lugar, dentro de uma rua, um tipo de uma "florestazinha"... tive que andar com a bicicleta, pois os caminhos eram de descida e subida. Senti um certo medo na hora, pois não havia ninguém naquele lugar, a não ser eu. Ao mesmo tempo, senti uma grande paz.

Esse lugar era exatamente igual o lugar que eu ia me esconder em Ubatuba, quando queria ficar sozinha (desde aquele tempo, preciso de um momento de solidão). Aquele lugar era maravilhoso! Tinha um riozinho que corria no meio de uma grande floresta fechada. Ali só havia eu e minha solidão. Arvores tão verdinhas, de copas largas, e eu me sentia muito protegida. Lembro que enfiava meus pés na água, e a água era tão cristalina que eu consegui enxergar perfeitamente meus pés. Parecia lugar de filme.
Ali eu falava alto sozinha.. (deveria ter meus 11 anos), e sentia uma liberdade deliciosa, própria dos adultos.
Nunca me esqueci desse lugar. Parecia algo próprio de sonho.

Hoje voltei no tempo, e fiquei a lembrar de mim... Estranho dizer, "lembrar de mim", não eh? Mas foi assim que eu me senti, com uma lembrança forte de um tempo que passou. E me vi criança.

Uma vez fiz essa poesia quando saí em um dos meus passeios de bicicleta:



P E D A L A N D O

As tardes suaves
quando o vento sopra devagar
e o sol já esta fraco
pego minha bicicleta
e é só começar a pedalar
que sentimentos antigos
nascem dentro de mim
moleca, cabelos meio avermelhados
uma franjinha marota
cheirando a shampoo de camomila
e lá eu ia subindo ruas altas
descendo ladeiras abrindo as pernas
e rindo da própria vida
a bicicleta não era minha
era emprestada
mas os sonhos, esses eram mesmo meus
pedalava, pedalava, depois subia as pernas
no guidão da bicicleta
soltava as duas mãos
e naquele momento, com aquele vento
e aquela liberdade escancarada
batia tão forte meu coração!
hoje quando pego minha bicicleta
e começo a pedalar
meus cabelos ao vento
dá-me aquela sensação de levar
meu pensamento
então pedalo, pedalo, e a calcada e longa
e eu vou indo, vou indo...
quero essa sensação de liberdade viva
quando contorno os buracos
subo as ladeiras...desço-as com velocidade
sensação de controle
é como se de repente eu estivesse controlando
minha vida, meu destino
como se não houvesse solidão, tristeza,
vazio, nem ao mesmo futuro
e sim somente aquele presente
naquele sol fraco tocando minha pele
no vento frio que eriça meus pelos
nos meus cabelos que voam
nos meus lábios que ressecam
Nesses momentos
eu penso que eu queria que a vida fosse assim
pedalando, pedalando, pedalando....
zunindo nas calcadas juntando as esperanças
fechando os olhos e vendo meu cabelo brilhando ao sol
com cheiro de camomila





Ah! que saudade dos meus cabelos vermelhos (hoje, depois de tantas tinturas e tantos brancos... nem sei mais que cor ele era), que saudade daquele cheiro de camomila quando eu voava na bicicleta e podia sentir o vento trazendo ao meu nariz. Eu aspirava aquela camomila, e expirava toda minha juventude.


Estou lendo um livro chamado "Gift of Years", de uma autora espiritualista chamada
Joan Chittister. Estou ainda no meio dele, mas encantada com tantas coisas bonitas que já li.
Uma coisa interessante que ela diz: Muitas pessoas falam que temos "uma vida para viver"... e ela discorda, dizendo que nós já vivemos nessa mesma vida, muitos pedaços de vida... a infância, a adolescência, a idade madura, e a velhice. E que temos o costume de começar com as culpas.
"Se eu tivesse feito assim"... "Se eu tivesse ido morar naquele lugar" "Se eu não tivesse casado"...
Que deveríamos viver cada pedaço da nossa vida e encerrá-lo. E começar um novo capitulo sem culpas de nada que já fizemos.
E nessa idade mais madura, começar a viver uma nova vida e apreciar tudo aquilo que gostamos, fazer coisas que sempre pensamos em fazer e que sempre postergamos.

Bonito pensar que devemos repartir nossa vida em pedaços. E como cada uma fosse única, e independente da outra. Como se fossemos pessoas diferentes, apenas aproveitando as lições que aprendemos, mas esquecendo o que "achamos" que erramos.

Pensar nos erros, da angustia. E nos leva a absolutamente nada. A lugar nenhum. E somente gasta nossas energias...

Hoje estava pensando por que agora mais velha, eu fico a sentir sensações da infância. E pensei que as pessoas mais velhas começam a resgatar aquela pureza, aquele "olhar de primeira vez" em tudo que vê. Como se estivesse conhecendo o mundo justamente agora.

Acho que amanha vou sair, e comprar um shampoo de camomila.






Mary Fioratti

6 comentários:

Anônimo disse...

Gostei dessa visão da autora do livro. Tem muito a ver.

Quanto a essas recordações, poxa, vivi me alimentando dessas saudades antigas daquilo que fui constratado ao que hoje sou. Mas gosto do que sou agora, embora compreenda que a vitalidade e ingenuidade de antes eram coisas até que boas.

Encantamento é assim.
Como bem descrito no seu poema.
Tem dias que nos encantamos por nós mesmos e nesses momentos gravamos na mente até o cheiro do shampoo que, por ser um elemento de ligação àquele nosso passado, sempre será agradável ao olfato mnemonico.

Somos assim, a meu ver, este monte de lembranças na forma de aprendizado construindo o futuro a partir do agora, instante supremo da nossas vidas; o hoje.

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querida Mary, belíssimo texto...Maravilhosa postagem!
Deixo-te muitos beijinhos,
Fernandinha

Isaias Edson Sidney disse...

GARRAFA AO MAR – MENSAGEM 1



Publicar um livro é fácil. Divulgá-lo, o mais difícil. Peço a sua compreensão, ao lançar, no mar da Internet e no seu blog, a minha LUA QUEBRADA!

Um livro para mexer com sua libido. Um romance inesquecível, pela carga de amor, entrega, paixão e erotismo no encontro nada convencional entre um professor e sua aluna.

Publicação da Editora Biblioteca24x7, que comercializa obras pela Internet (edição on-line e impressa).

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LUA QUEBRADA: PARA INCENDIAR SUA IMAGINAÇÃO!

http://luaquebrada24x7.blogspot.com/

Alexandre Lucio Fernandes disse...

Que coisa magnífica. Essas lembranças de suas visitas solitárias naquela floresta, e ao sentir a água cristalina com os pés, e a singeleza do andar de bicicicleta. Que coisa maravilhosa Mary. Seu blog cheira a camomila.

Lindo lindo.
Te adoro muito amiga.
Beijocas

Menina do Rio disse...

Vejo que estás em plena forma!
Adorei o texto!
tem uma semana bem agradavel querida

beijinhos

nd disse...

Minha querida amiga...esses pensamentos são tão deliciosos, lembranças tão boas de nossa infância, adolescencia...as vezes me pego com eles á minha volta, faço uma retrospectiva de minha vida, e vejo tanta coisa boa e linda eu fiz naquela época, tbm tive uma bike, fazia longos passeios pela estrada de um interior onde passei um bom período de minha vida, onde fui realmente feliz e não sabia...
Não quero que o tempo volte, mas gostaria de manter aquela inocência que tinha, aquela paz interior e a certeza de que dali prá frente, só teríamos felicidade.
Bjs e boa semana