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SEGREDOS DA ALMA
Quantos segredos guardam nossa alma! Sempre a espreita, parece um cofre onde guarda os nossos mais intimos segredos.
O ser humano e privilegiado por ter o poder de seus pensamentos e sentimentos. Nao ha o que possa interferir neles.
As vezes me pego olhando as pessoas e tentando imaginar o que estao pensando ou sentindo. Cada um, com uma alma caracteristica, muitas vezes escondem dores que jamais serao descobertas.
Quando fui para Chicago a semana passada, sai do Consulado e fiquei andando pelas ruas, fazendo hora, ate que meu onibus saisse.
Entrei entao num Shopping muito bonito, sentei numa poltrona muito aconchegante e fiquei a observar as pessoas.
(Uma das coisas que eu mais gosto).
Entravam e saiam, umas vestidas sofisticadas, outras simples. Um casal parou na minha frente, o filhinho corria pelas lojas, estava aprendendo a andar. E andava e caia. E os dois olhavam para o filho com aquele olhar de orgulho.
Imediatamente lembrei-me quando minha filha andou pela primeira vez. Estavamos o Roque e eu, na Lavanderia do apartamento em Detroit, e de repente ela, que estava sentadinha no chao, levantou-se e saiu tropega, deu tres passinhos e caiu no chao. Jamais vou esquecer o olhar que o Roque e eu trocamos. E o sentimento que tivemos naquele momento.
Assim somos nos, vamos pela vida colecionando sentimentos.
Sai do shopping e vi um "Starbucks", eu nao havia tomado cafe ainda, e eu sabia que la poderia conectar meu laptop. Na frente do lugar, havia um homem preto, pobre, sacudindo uma latinha. Todo falante, saudava todos que passavam: "Bom dia Madame, como vai? posso ajuda-la?" E todos que entravam no Starbucks, ele abria a porta, sempre com a latinha na mao.
Quando entrei, e pedi meu cafe, sentei na janela que dava para a rua. Fiquei a saborear meu cafe, e um muffin de banana que havia comprado. E fiquei a observar aquele homem.
Ele parecia tao feliz, muito mais feliz do que eu, sacudindo sua latinha, cumprimentando as pessoas, parecia realizado.
Este homem, na verdade, estava vestido dignamente, nao como um mendigo, (digamos um mendigo mais sofisticado -rs), mas parecia uma boa pessoa.
De repente saiu um homem do Starbucks, e jogou algo no lixo. O mendigo se aproximou, e enfiou sua mao no lixo, catou a metade de um muffin ja comido, e um resto de cafe do copo. Tomou o cafe e comeu aquela metadinha como se fosse o manjar dos deuses.
Percebi que meu muffin ja nao tinha o mesmo gosto. Fiquei a olhar aquele homem, e pensar...fosse ele quem fosse...estava comendo restos do lixo.
Guardei a metade do meu muffin, e abri meu laptop. Chequei meus emails, sempre olhando para fora, e observando aquele homem.
Alguns o ignoravam, outros colocavam uma moedinha na latinha.
Antes de sair, levantei e fui la comprar um muffin e um cafe. Ao me ver saindo, o homem veio abrir a porta (a procura de algumas moedinhas, claro). Estendi para ele o muffin e o cafe.
Ele me olhou e disse: "A sra quer que segure para a sra"? Eu disse: "Nao, e seu".
Ele pegou o cafe e disse: "Nossa moca, ta fumegando! Obrigada!". Pegou o muffin com outra mao (e ate esqueceu da porta - rs).
Sentou-se num murinho, e comeu tao prazeirosamente aquele muffin, e dava goles cuidadosos no cafe fumegante.
Senti que a alma daquele homem era boa.
Isso me fez lembrar (uma coisa foi ligando a outra) uma das vezes que fui com minha filha para o Brasil, ela tinha 7 anos. Fomos andar no centro de S.Jose dos Campos, e perto do Forum, bem no centro, havia uma mulher pobre sentada no chao, com o seio de fora, miseravelmente vestida, dando leite a uma criancinha. Minha filha nunca havia visto isso na vida, e ficou petrificada. Parou em frente da mulher, e ficou a olha-la. Viu que algumas pessoas colocavam dinheiro numa caixa que tinha em frente dela. Ela olhou para mim e disse: "Mae, voce tem dinheiro?" Tirei da bolsa e dei para ela, que colocou na caixinha sem desgrudar os olhos da mulher.
Sei que aquilo impactou muito minha filha, que vivia num mundo, onde nunca havia visto tal miseria.
Dois anos depois fomos novamente para o Brasil e ela disse: "Mae, vamos na cidade, quero ver se aquela mulher ainda esta la".
Continuei minhas andancas por Chicago. Uma cidade cinzenta e triste.
Dei sinal para um taxi (ja estava na hora de ir para a Union Station onde pegaria o onibus). Parou um taxi, um motorista hindu. Sei que tenho um tremendo sotaque, mas tenho uma tremenda dificuldade de entender os hindus quando falam Ingles.
Um homem mal educado, sem paciencia, cortava o transito xingando um ou outro... e virava para mim e dizia um monte de coisas que eu nao entendia, mas eu sorria e concordava.
Afinal, descobri que o sorriso tem um poder ilimitado. Mas nao o riso, mas o "sorriso"... Aquele assim meio timido, como "concordando" ou "discordando", seja la o que ele queira...
E quando vi esse motorista, lembrei-me da ultima vez que fui ao Brasil. Peguei um taxi, e conversando com o motorista perguntei se ele ja havia sido assaltado. Ai ele diz assim: "Fui sim minha senhora, eles encostaram o revolver na minha cabeca...e o outro de tras, dizia, mata ele, mata!". E eu disse: "Olha, leva tudo que eu tenho, mas nao me mate nao. Eu acho ate que voces tem razao de roubar, do jeito que esta esse Brasil, a semana passada mesmo eu estava pensando em fazer isso"...rs
Ai disse: "A sra. ve dona, o que a gente acaba falando para nao ser morto?"
Sou uma observadora eterna das pessoas. Tantas almas diferentes, tantos sentimentos abrigados em tantos coracoes que pulsam, tantas verdades e inverdades, tanto sofrimento, tanta miseria. Diferencas enormes de vida.
Temos tantas coisas para dar...e uma alma repleta para sentir.
®Mary Fioratti